O
VERDADEIRO SIGNIFICADO DE JUSTIÇA SOCIAL
Minha
monografia de conclusão de curso teve como tema “A justiça Social a partir da Teologia
Wesleyana da Nova Criação”. Durante vários meses me debrucei sobre pilhas de
artigos, páginas e páginas de livros a respeito do assunto. Sem a intenção de esgotar o assunto e com muita humildade, gostaria de compartilhar algumas nuances do que vem a ser justiça social, numa perpectiva bíblica e cristã.
Apesar
de ter estado durante, praticamente, toda minha vida dentro de uma Igreja
Metodista, ter aprendido desde cedo toda doutrina baseada na doutrina
wesleyana, e ter tido uma educação cristã metodista, nunca tive John Wesley
como ídolo, mas sim como exemplo. Creio que tudo o que é bom, o que deu certo,
o que é puro e reto deva ser imitado. O Apóstolo Paulo disse: ‘Sede meus
imitadores, assim como sou de Cristo”. Por isso, depois de aprofundar-me nos
estudos a respeito da Teologia de John Wesley, estudar sobre sua vida e
ministério, e sobre tudo aquilo que ele desempenhou durante sua jornada
ministerial, entendi que ali estava um exemplo claro do verdadeiro significado
de “Justiça Social”, tema tão proclamado e aclamado nos dias atuais, mas
percebo, muito pouco entendido. Claro que, também entendo que muitos, no ávido
desejo de justiça, cometam equívocos em suas teorias por falta de conhecimento
do verdadeiro significado de justiça social nos evangelhos. Por esse motivo,
decidi escrever esse texto, a partir de um embasamento teológico e de pesquisa
acadêmica. O texto trás partes de minha monografia, sem nenhum tipo de ideologia,
para que aqueles que detêm esse ávido e nobre desejo de justiça, não vivam
equivocados, ou, pelo menos, que se deem ao benefício da dúvida e possam
aprender um pouco mais, sobre o verdadeiro significado de justiça social, segundo
o Evangelho de Jesus Cristo
Não
podemos negar nossa herança histórica, pois o que fazemos e pensamos é, em
parte, resultado de todo legado que recebemos. O fato de buscarmos na tradição
exemplos a serem empregados nos nossos dias, não nos faz, necessariamente,
cerrar os olhos para nossa realidade contemporânea, nem nos exime de
criticarmos o que já foi feito. Não se trata de reproduzir algo como sendo uma
realidade imutável, mas construir o novo a partir de experiências vividas e já
construídas, nas quais a nossa participação, em uma construção contemporânea, é
igualmente requerida.
O relacionamento
entre o ser humano e Deus cria a concepção na humanidade de como atuar no mundo,
gerando uma insatisfação com o modo como se vive. Consequentemente, por essa
insatisfação, o ser humano é levado a viver em fraternidade e comunhão. A
partir disso, dependendo da inspiração na relação “homem-Deus” o ser humano ou se
torna um agente transformador ou um simples elemento passivo frente às mazelas
vividas.
A teologia
cristã se desenvolveu a partir do conceito de um Deus Criador, que se revelou
encarnado em Cristo como manifestação plena de sua doutrina e prática. Tal revelação conclama a todos os seres
humanos a viverem em harmonia e equilíbrio com toda a criação, levando-os a participar
de uma missão da esperança, na qual os ideais de salvação são vivenciados no
ministério do amor. “E andai em amor, como também Cristo nos amou, e se
entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, em aroma suave” (Ef.5.2).
Toda missão e justiça social precisa ser compreendida a partir da criação de
Deus. A ação de Deus transforma, gera uma nova Vida, uma nova criação em
Cristo, trazendo justiça.
O
século XX foi um período marcado pelos inúmeros avanços tecnológicos,
conquistas e revoluções. Mudanças sociais, culturais e políticas aconteceram em
uma velocidade nunca experimentada antes. A humanidade foi, de maneira
inigualável, impactada por seus atos e consequências. Mudanças profundas nas
relações de trabalho tiveram implicações marcantes sobre a sociedade humana.
Diante
deste contexto a América Latina, continente marcado por dominação, exploração e
espoliação, também passou por um momento de consciência social crescente e
busca de um processo libertador histórico, o que levou na área da Teologia a
uma reflexão teológica latino-americana, que assumisse uma nova compreensão da
história e do papel teológico nela.
O eixo
hermenêutico central dessa nova teologia é convidar a Igreja a ver e repensar a
missão a partir dos pobres, identificando-se com eles e dando a eles vez e voz.
A opção preferencial pelos pobres, na
Teologia Latino-americana, deve ser compreendida levando-se em conta a misericórdia
de Deus. Entendemos que: “Não oprimirás o
trabalhador pobre e necessitado, seja ele de teus irmãos, ou seja dos
estrangeiros que estão na tua terra e dentro das tuas portas” Dt. 24.14.
A
história do cristianismo latino-americano é repleta de contradições,
desdobramentos e desafios. O cristianismo foi pregado e imposto a uma
diversidade de povos. Os africanos trouxeram com eles suas tradições religiosas;
os imigrantes e missionários protestantes a cultura branca europeia, que visava
civilizar um povo incivilizado; com a missão americana, a herança religiosa pietista, evangélica, centrada na
salvação em Jesus Cristo, na busca da santidade, na direção do Espírito Santo,
que tem como alvo a experiência individual de conversão de crescimento na fé.
Deus é
um Deus libertador e a Bíblia relata a luta do ser humano contra a opressão. Portanto, uma teologia que liberta deve lutar por transformar o mundo em uma
sociedade mais justa. Para Wesley a renovação da criação e das criaturas
mediante a renovação da imagem de Deus na humanidade é a essência do cristianismo.
Wesley reconhece que a criação original, como é descrita nos relatos bíblicos,
não é questão de razão ou experiência, mas de revelação divina. Distanciamos
hoje daquilo para o qual originalmente fomos criados; o pecado se interpõe
entre nós e nossa condição original. No entanto, Wesley está convencido, a
partir das fontes bíblicas, tanto no que se refere à criação, quanto às
profecias do cumprimento do que está por vir, de que podemos chegar a um
entendimento do propósito divino na criação original.
Na pregação do Sermão de número vinte e
seis “Sobre o Sermão do Monte” de
Wesley, o pedido feito na Oração do Pai Nosso “venha a nós o teu reino, seja
feita a tua vontade assim na terra como no céu” antecipa o cumprimento da
criação,
Quando, pois, pedimos
que a vontade de Deus “seja feita, assim na terra como no céu”, este pedido
significa que todos os habitantes da terra, de todas as raças da humanidade,
possam fazer a vontade de seu Pai que está nos céus tão voluntariamente como os
santos anjos; que façam continuamente, como os anjos, sem abrir qualquer hiato
no serviço diligente; que a façam perfeitamente, para que “o Deus de paz pelo
sangue do eterno pacto, os aperfeiçoe em todo o bem, para que façam a sua
vontade, e neles opere” tudo que “seja agradável a seus olhos”. (WESLEY, 1953,
p.557)
Wesley prevê o futuro divinamente
operando com o presente, essa visão do alvo apreendida não apenas das promessas
divinas, mas nos sinais de renovação que já se manifestam na vida dos crentes e
por meio dela, para Wesley apontam para o propósito de Deus na criação. O ser
humano foi dotado de sentido, entendimento e também de vontade, possui
liberdade e poder de conduzir seus próprios sentimentos e ações, e capacidade
de determinar a si mesmo, de escolher o bem ou o mal. Caso o ser humano não
tivesse recebido essa liberdade não seria capaz de buscar a santidade ou
qualquer tipo de virtude. A tragédia humana foi ter feito mau uso dessa
liberdade, revoltando-se contra o seu criador, distorcendo o relacionamento
para o qual foi criado. Ao se rebelar alienou-se de si, do outro e de Deus,
herdou o pecado, lançando tanto a si mesmo, e também toda a criação na
desordem, sofrimento e morte. O pecado original é um acontecimento histórico de
consequências de longo alcance. A criatura que recebeu liberdade para estar em
relação positiva com o Criador usou-a para se afastar e construir um mundo
autossuficiente.
No pensamento de John Wesley a graça
abundante sobre a terra seria muito maior que o pecado. A perda da imagem
original de Deus seria suplantada pela possibilidade de uma nova, restaurada
pela graça. Pois “assim como em Adão todos morreram, assim todos serão
vivificados em Cristo”. Deus revelou seu amor à humanidade através do Seu Filho
Jesus, entregando-se por ela, a fim de que o Espírito de Deus renovasse a sua
imagem nos nossos corações. “A renovação da criação se dá através da renovação
da imago Dei na humanidade qual a humanidade foi criada: viver a imagem de Deus
no mundo”.
Na compreensão de John Wesley a imagem
de Deus está relacionada, não tanto ao que o ser humano possui, mas ao modo
como ele se relaciona com Deus e como vive essa elação com tudo à sua volta.
Ele descreve o ser humano como aquele que recebe o amor de Deus e então o
reflete no mundo, não como capacidade ou posse, mas como relacionamento vivo
propiciado pela graça divina que o mantêm ativo. O ser humano precisa receber
de Deus, constantemente aquilo que transmite. Essa imagem de Deus é uma
vocação, para a qual o ser humano é chamado e na qual está o seu próprio
destino. Essa imagem reside não tanto na criatura, mas no modo como essa criatura
vive sua relação com o seu Criador, usando os dons e a capacidade que recebeu
para comunhão com a sua fonte de modo a refleti-la no mundo.
O pensamento wesleyano é motivado por
situações vividas, tanto pessoais como coletivas. Sua teologia fundamenta-se na
própria vida, na relação com Deus e nas relações interpessoais. Pode-se dizer
que a teologia de Wesley está baseada no caminho da salvação, como uma forma
prática de conduzir o homem na vida cristã, de forma a mobilizar um avivamento
pessoal e coletivo. O Espírito de Deus que opera em nós nos compele a
colocar-nos a serviço do nosso próximo. No sermão “O Cristianismo bíblico”, Wesley fala da transformação que ocorre na
pessoa que se converte. Não uma mudança religiosa, mas um voltar-se para Deus,
a partir da ação do Espírito Santo em nosso ser. Essa ação desperta no crente,
um profundo amor pelo seu Senhor e consequentemente o move em direção ao outro.
Para Wesley viver o cristianismo é viver uma religião social, é fazer como o
Senhor fez, é amar como Ele nos amou e nos acolheu, amando e acolhendo o
próximo.
A verdadeira imagem de Deus, que
deveríamos ser, só pode ser restabelecida através da reconstrução do laço entre
criatura e criador, entre a imagem e sua fonte. Para que a humanidade se torne
diferente do que é hoje, em suas tentativas ávidas e gananciosas de produzir a
própria segurança, são necessários recursos transcendentais, parceria e
participação no Espírito Divino. Mas, a humanidade não pode por si mesma,
retomar esse relacionamento, a iniciativa vem do próprio Criador e ela se chama
graça. A graça segundo Wesley é fundamentada no amor de Deus pela humanidade
manifestada em Cristo. Essa graça comunica o perdão e manifesta renovação. A
reconstrução desse laço capacita o ser humano a partilhar a natureza de Deus.
A graça se manifesta de três maneiras:
em nossa criação, no perdão e em nossa recriação. Para Wesley a natureza da
graça é o amor, ela não pode ser imposta, nem “irresistível”, no entanto, ela auxilia
a resposta humana. Esse auxílio são as sugestões do Espírito de Deus, que
comunica a graça e inicia o processo de renovação. Para Wesley primeiro nos
arrependemos para depois crermos no evangelho. Devemos romper com a dependência
de nós mesmos antes que possamos depender de Cristo. Cristo nos possibilita a
justificação, nos realinhando e nos restaurando ao relacionamento para o qual
fomos criados. A justificação dá início ao processo de restauração da imagem de
Deus em nós, que será concluído, segundo Wesley, pela santificação, que
consiste no poder do Espírito Santo atuando dentro de nós de forma a renovar
toda nossa vida. Essa transformação constitui a santidade. A passagem paulina
preferida de Wesley era: “Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor,
porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua
boa vontade” (Fl.2:12-13). Para que nossas obras sejam boas, elas precisam resultar
dessa colaboração na qual Deus é um parceiro, e pelo Espírito coprodutor das
obras. O Espírito de Deus habita a criatura, e como consequência as obras que
ela produz devem expressar a vontade divina e humana em ação conjunta.
Wesley em seu sermão acerca das riquezas
sinalizou alguns perigos, mas principalmente o fato de que na acumulação de
riquezas, o que mais destrói tanto a vida cristã como a vida civil, é o dano
que é feito a quem não tem riquezas. Wesley explica porque em uma terra que “mana
leite e mel”, há milhares de pessoas que padecem de fome. Segundo ele a razão é
que existe um mau uso dos recursos nacionais, por pessoas poderosas, e que
ainda se chamam cristãs. A Inglaterra dos tempos de Wesley vivia esse cenário,
os recursos eram usados com finalidades fúteis e desnecessárias, como na
produção de bebidas alcoólicas e alimentos para cavalos que puxavam as
carruagens e charretes dos nobres. Havia monopólios dos bens de primeira
necessidade, o que encarecia os produtos. A Inglaterra passava de uma economia
agrícola-medieval para uma economia industrial. Wesley viajava por todo o país
e testemunhara as condições de desemprego e pobreza em toda parte. Em seu sermão de número cinquenta, Wesley
escreve que,
Porque seja o mundo tão
corrupto quanto quiser, o ouro e a prata são culpados? “O amor ao dinheiro”,
sabemo-lo, “é a raiz de todos os males”; mas não ao dinheiro em si. O mal não
está no dinheiro, mas nos que usam dele. Ele pode ser usado para o mal: e que
há que o não possa? Mas pode igualmente
ser usado para o bem: é suscetível de ser aplicado para o melhor fim, assim
como para o pior. (1953, p.479)
A fala de Wesley orienta a igreja a usar
os recursos que ela possui para um fim proveitoso, para o bem social libertador
e não para o bem de si mesma. E também, para que a igreja seja aquela que
instrua os seus a agirem da mesma forma. Liberdade para Wesley é o compartilhar
da graça recebida a fim de que a atuação do Espírito Santo, que opera no
crente, traga uma nova ordem social e econômica. O conhecimento abstrato da sua
situação não basta; a vivência direta da sua condição é um pré-requisito para o
entendimento. Muito antes de a igreja
descobrir a “opção preferencial pelos pobres”, Wesley já a praticava. Ele
visitava os pobres, estava no meio deles, compartilhava de suas lutas e dores.
O que Wesley oferecia a eles, era mais
que a assistência material, ele apresentava uma comunidade que buscava
recebê-los e afirmar-lhes o valor que possuíam diante de Deus. A esses
miseráveis os metodistas levavam um sentimento de valor próprio. Aos que haviam
sido desalojados de suas aldeias rurais pelas leis de monopolização das
propriedades e que se encontravam perdidos nas cidades hostis, os metodistas
ofereciam uma nova comunidade de cuidado mútuo. Wesley levou aos pobres não
apenas um sentimento de valor próprio, mas uma sensação de poder sobre o
próprio destino. Ao serem renovados à imagem de Deus, eles estavam recebendo
poder para viver essa imagem, estavam sendo chamados a serem cooperadores de
Deus para estender os benefícios da graça que receberam a todos com quem se
encontrassem.
Wesley organizava e treinava pessoas em
atividades organizacionais. Os que se identificavam com o metodismo eram
organizados em sociedades, e as sociedades em classes e bands, e os que possuíam habilidades tornavam-se pregadores e
líderes leigos. À liderança exigia capacidade de ler e escrever, e assim
surgiram as escolas para ensinar as pessoas a ler as escrituras, isso muito
antes do surgimento das escolas dominicais. Ser capaz de ler as Escrituras
representava estar diretamente em contato com o poder libertador sem a
necessidade de uma autoridade mediadora, um clérigo ou pessoa de estudo. Essa
organização mostrou-se ser uma semeadora para o cultivo da liderança, da
administração e da assistência mútua.
A preocupação de Wesley com os pobres e
desempregados resultou em indústrias caseiras, e venda de produtos entre os
metodistas. Os serviços de saúde eram indisponíveis aos pobres, eles não podiam
pagar nem os remédios, nem os médicos, assim Wesley levou adiante o interesse e
estudo de medicina em Oxford, e em 1745 ele publicou o tratado médico, uma
coleção de receitas para o uso do pobre, recomendava tratamentos simples para
sessenta e três, enfermidades. Em 1747 publicou um livro de autoajuda com
diagnósticos e remédios, um método fácil e natural de curar diversas doenças. Quando
Wesley conseguia a colaboração de médicos e boticários, montava clínicas e
dispensários para atende a todos. Diversos médicos, incluindo alguns membros da
Sociedade Real de Médicos, se apresentaram como voluntários para atender nos
serviços de saúde metodista para os pobres. Essa crescente rede de
relacionamentos sociais e interdependência significaram muito na vida do
proletariado, dos camponeses e pequenos agricultores, pois eles não eram
simplesmente vítimas da sociedade, mas podiam se tornar agentes ativos, livres
e com algum grau de controle sobre o próprio destino.
Para que uma Teologia da Nova Criação
tenha relevância no contexto social latino americano é necessário que ela
esteja centrada em dois pontos fundamentais da teologia wesleyana: a soberania
divina e a responsabilidade humana. Se Deus é um Deus que se revela e essa
revelação possui valor eterno, é preciso que essa revelação seja expressa no
tempo, pois nenhuma teologia pode ser desconectada da vida. Ela deve ser
reflexão crítica denunciadora dos desvios desumanizantes da realidade,
anunciando os desígnios libertadores de Deus na história. Aquele que foi
justificado tem fome e sede de justiça; e é instrumento de justiça na vida do
outro, disponibilizando seus dons e recursos em ajuda mútua.
A igreja primitiva alcançava e
alimentava os famintos, vestia os nus, auxiliava os órfãos e os peregrinos,
visitava e ajudava os enfermos e encarcerados, todos os seus bens eram usados
para sustento dos pobres e necessitados. Era uma graça recebida e compartilhada.
Para Wesley o poder e a presença do Espírito Santo traz uma nova ordem social e
econômica. Portanto, justiça social é viver esse mesmo espírito, a prática da
partilha. Para o Novo testamento, todas as funções existentes na comunidade
contêm este caráter: estar a serviço, em obediência a quem serviu primeiro. A
justiça social que tem Jesus Cristo como fundamento precisa necessariamente ser
prática, pois ela resulta do seguimento da sua cruz. A fé cristã não se limita
à contemplação, mas em se envolver com Jesus, ela precisa ser uma teologia da
práxis, na prática e para a prática.
Para Wesley, Deus dotou o homem com
capacidade de liderança e administração para ser “regente sobre a terra”. Essa
energia vinda de Deus constitui toda a dinâmica, onde os seres humanos
participam desse poder e são incorporados à obra fundamental de restauração da
criação, através de suas obras. O foco dirige-se ao mundo, como caminho de
salvação que enfatizava a graça de Deus e a responsabilidade humana como
participante na valorização da vida. A presença
de Deus, é a imagem refletida no ser humano de forma real, ela se evidencia
relacionalmente. Somos capacitados, através da atuação do Espírito Santo, a
vivermos a relação divino-humana. Deus opera em nós e então podemos operar. No
momento em que a graça foi recebida, isso deve resultar em ação, para com os
outros para a causa do reino, operando a própria salvação como um cuidado com o
outro.
O exercício da imagem de Deus restaurada
é um movimento nutrido pela Escritura e pelo amor divino, ele atua através do
exercício da razão, da vontade (livre arbítrio), da experiência e de toda a
tradição que nos move em direção à santidade cristã que se traduz na prática
das boas obras. Esse ser humano “nova criação” é o instrumento de justiça e paz
nesse mundo; é agente transformador da história. A ênfase não está somente no
estabelecimento de relações transformadas entre a pessoa individual e Deus e
outras pessoas, mas visa toda a humanidade. Desta forma devem-se haver esforços
para melhoria da saúde do povo, o engajamento em educação, para que a mente
seja liberta do cativeiro do engano e da manipulação, como restauração e a
busca da perfeição da razão corrompida, e toda ação que vise o bem-estar social.
Toda justiça social que não permeie esses valores, não será justiça social de
Cristo, ainda que tenha aparência de bem. Toda justiça social que busque
benefício próprio, poder e auto realização não será justiça social de Cristo,
em Cristo convém que, nós diminuamos para que Ele cresça.
A graça que concede salvação não é vista
isolada da pessoa, mas implica o envolvimento da pessoa no seu “interior”,
tanto em relação a Deus como ao próximo; e no campo “exterior” ao mesmo tempo
em que ela transforma ela é transformada. A educação é o pilar do processo de
restauração racional que faz parte da restauração da santidade. A educação contribui para a restauração da
imagem natural no ser humano, pois a razão nos capacita a compreender, e isso
nos possibilita discernir e fazer julgamentos corretos. A santidade e o amor
para com Deus e com o próximo iriam se fortalecer mediante uma educação
contínua, a qual é importante, tanto para crianças como para adultos, de todos
os sexos, raças e classes sociais. Em seu sermão de número noventa e seis sobre
a educação de crianças, Wesley afirma:
Como a única finalidade de um médico é
restaurar a natureza ao seu estado próprio; então, a única finalidade da
educação é restaurar nossa natureza racional ao seu estado apropriado. [...] E,
como a medicina pode justamente ser chamada de arte de restaurar a saúde,
então, a educação pode ser considerada, sob outro aspecto, como a arte de
recuperar, para o homem, a sua perfeição racional. (1783, p.348)
A insatisfação em relação a todo estado
das coisas presentes, tanto no âmbito individual como da sociedade, precisa
promover uma motivação persistente na busca por reforma do ser humano, de forma
que isso influencie tudo à sua volta. A justiça social de Cristo tem seu foco
no resgate e na promoção da vida, se a justiça anunciada não promover “vida”
ela não será a justiça de Cristo. Justiça social em Cristo é atuar como agente
transformador da história, seja em casa, na escola, no trabalho, na igreja e na
sociedade como um todo. Não é uma justiça ideológica, mas uma justiça que se
move em ações, sejam elas as menores ou de grandes proporções, e que traga alento,
libertação e transformação de toda realidade que fira a dignidade humana. Justiça
essa fundamentada em amor e misericórdia.
O que temos visto e presenciado nesse
tempo em nossa nação, é um discurso falacioso e oportunista que, usa a capa da
justiça para fazer-se poder. Usa-se a capa da justiça para benefício próprio;
usa-se a capa da justiça para interesses escusos. Em nada essa justiça
proclamada, assemelha-se à justiça de Cristo. A justiça de Cristo liberta o
oprimido para que esse se torne agente transformador de sua história, e jamais
o torna refém do que se diz agente da justiça. A justiça de Cristo ensina a
lançar as redes. Oferece educação para que a mente seja transformada, partilha
o pão sem interesses, não visa benefício próprio, não usa de engano para angariar
adeptos ou fãs. Jesus dizia a verdade mesmo sabendo que por dizê-la seria
condenado à cruz.
Não se iluda com belos discursos, ainda
que eles venham embalados em um lindo papel de presente, pois o interior pode
não ser tão belo quanto a aparência, e, na realidade, o belo papel sirva apenas
para esconder as verdadeiras intenções maléficas. Se o que for dito desviar-se
uma vírgula do evangelho de Cristo que seja anátema.
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