terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

 


Uma fé ecológica - É tempo de mudança de paradigmas

Já avançamos duas décadas do século XXI e o planeta enfrenta uma crise sistêmica crescente e de complexidade alarmante.

Se tivermos um olhar, um pouco mais, acurado, atencioso para toda essa dor que o planeta tem vivenciado, podemos reconhecer a violência que nutri o coração humano, adoecido pelo pecado. E o sintoma dessa doença humana é o vislumbre da destruição que vemos nos ecossistemas do planeta.

A Reforma Protestante, com suas cinco Solas, dentre elas o “Sola Scriptura”, somente a escritura, que aprofundou a compreensão da Bíblia e impulsionou a teologia a uma atuação mais eficaz frente as demandas da modernidade, contribuiu diretamente com a Revolução Industrial, e que, por outro lado, também foi parte no processo de degradação ambiental que vivenciamos hoje, a reforma atuou e auxiliou na forma como a teologia pós reforma e a cristandade, entenderam a dinâmica da criação, causando impactos desastrosos no planeta. É na teologia cristã que o trabalho, o sucesso e o acúmulo de dinheiro passam a ser vistos como consequências de bençãos de Deus em favor dos seus fiéis. E o trabalho passa a ser um dever moral. A visão cosmológica do antropocentrismo, ou seja, o ser humano no centro da importância da criação, nutriu e gerou o pensamento de dominação humana, sobre todas as espécies e sobre o planeta como um todo.

Os relatos da criação descritos no livro de Genesis, descrevem que fomos feitos do pó da terra, somos criaturas, e, portanto, afetadas pela mesma crise ecológica das outras espécies, pois compartilhamos a mesma casa (Oikos), o planeta terra.

Genesis relata que, dentre todas as espécies, uma foi criada no sexto dia, o ser humano (Gn 1.26.31), ao qual foi atribuído o bem estar da terra, ou seja, ao ser humano foi atribuído não o subjugar, ou o domínio de exploração, mas o cuidado, a zeladoria sobre toda a criação. A terra deveria ser utilizada de maneira racional e como meio sustentável de manutenção da vida, não apenas do ser humano, mas de todas as espécies e vida no planeta.

Nesse tempo da pós-modernidade, ouvimos muito se falar sobre desenvolvimento sustentável, onde o argumento é o bem estar das futuras gerações, contudo o que se observa é que o consumismo, a individualidade e o desenvolvimento estão interligados. Esse processo ou ciclo vicioso se torna contraditório à sustentabilidade.

Ao ser humano, sendo um animal racional, foi dada a tarefa de, assim como descrito em Gn 1:26, 28 e 2.15, a responsabilidade de trazer harmoniza entre os ecossistemas e seus objetivos, criando um ambiente harmonioso entre a existência e convivência de todas as espécies. No entanto, o que temos visto e vivido, num processo cada vez mais acelerado, é uma total incoerência com o pensamento bíblico. Assim, um dos papéis tanto da teologia, como da igreja e da cristandade como um todo é ser mantenedor dos ecossistemas, é trabalhar como arquiteto do planeta, divulgando a educação ambiental como fonte primordial para o bem estar, não tão somente de nossa geração, como principalmente das gerações futuras, que serão as que viverão o verdadeiro impacto da degradação ambiental fomentada nesse tempo.

A igreja não só tem falhado em não ser porta voz do planeta, mas também tem pecado em não cumprir os mandamentos descritos no livro sagrado, a Bíblia.

Conforme afirmou o escritor Afonso Murad, “Deus livremente criou um cosmos, incluindo nosso planeta, e revelou nele não apenas sua obra, mas também suas características pessoais. Deus viu que era bom tudo o que criara, tornando assim o valor da criação uma parte integrante de sua realidade. Nós insultamos esse valor quando maltratamos a criação ou suas criaturas, mas nossa vergonha neste destrato revela novamente   que   o   valor   da   criação   está realmente presente. Se não estivesse, os humanos não menosprezariam a si mesmos dessa forma, destruindo florestas, exterminando espécies, fazendo buracos na camada de ozônio ou poluindo o oceano.  Então, a realidade de Deus e sua boa criação nos encurralam.  Cada vez que tentamos falar sobre o valor da criação descobrimos que devemos primeiro nos voltar para Deus”.

Em vista aos desafios que só crescem em ordem planetária, pelo sentido capitalista de mundo, é preciso voltar a atenção às escrituras, resgatando o sentido sagrado de toda a criação.

Uma reflexão teológica nesse sentido, precisa fazer uma crítica sobre todo e qualquer pensamento político, social, ecológico ou ideológico que não leve em conta uma postura ética de respeito à vida, seja ela de que natureza for, e que assim, seja capaz de impedir que o pecado contra a criação seja disseminado, em proporções alarmantes como tem acontecido.

A igreja tem seu percentual de culpa e não pode dizer que não. Quando a própria igreja, instrui seus membros que a prosperidade econômica é o desejo de Deus para seus filhos, quer seja ela oriunda de pesados encargos sobre outras formas de vida no planeta, contando que “os filhos e Deus” sejam abençoados, a igreja peca. A igreja falha quando não instrui seus membros sobre preservação ambiental, aliás a igreja sequer toca nesse tema, como se ele não existisse, pois, a igreja se tornou antropocêntrica. O homem como centro das benesses de Deus, seja a que custo for, até mesmo se o custo for a destruição de nossa própria casa (Oikos), ou seja, a criação dele. A igreja sequer se preocupa com o lixo que produz, não se preocupa em gastar centenas de reais na compra de copos descartáveis, ou material plástico, e nem se preocupa com o destino correto de seu lixo. Não instrui seus membros a levarem suas garrafinhas, e nem mesmo o pastor ou a liderança as carregam. Coisas simples, que podem parecer bobagem, mas que produzem sementes, que como grão de mostarda, crescerão e produzirão árvores frondosas e capazes de liberar mais sementes e frutos. É pelo exemplo, pelo ensino e prática , que o caráter e hábitos são formados.

A igreja não fala, nem envolve em políticas de proteção ambiental, não instrui sobre aquecimento global, sobre extermínio de espécie. Vive numa bolha, onde o que importa é a prosperidade de seus membros. Vive num mundinho limitado dentro de suas paredes, sem se preocupar com o todo à sua volta. E além do mais, taxa de “antiético” aqueles que lutam pelo bem estar e conservação da fauna e flora, como se isso, também, não fosse papel da igreja. A luta pela vida e dignidade do reino animal e vegetal, não tão somente é ética, é cidadã, como é bíblica. Na grande maioria das vezes, os que se envolvem nessas questões, tampouco são cristãos. Isso é uma vergonha! A igreja tem sua parcela de culpa! E a teologia não pode se calar!

Segundo o censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de pessoas que professa a fé cristã no Brasil gira em torno de 86 ,8% da população, sendo 64,6% de pessoas que se dizem católicos e 22,2% de evangélicos. Nos dias de hoje, a humanidade vive em um impasse existencial, pois, ao único ser que foi dado à condição de raciocinar, que obteve uma dádiva divina, é o mesmo que iniciou uma degradação ambiental, e que está acelerada, por não pensar no futuro, buscando o favorecimento pessoal, e principalmente o econômico, é, portanto, uma sociedade capitalista.  Na realidade, o homem quer tirar muita coisa da natureza, mas está disposto a devolver pouco a ela. Isso é vergonhoso, para a dita cristandade, que diz ter como livro de fé e pratica a Bíblia, livro que condena tais práticas.

A ecologia é a ciência que estuda essa casa (Oikos) de todo o ser vivente e não vivente, o planeta e levando em conta a atual crise planetária em que estamos mergulhados, à teologia não cabe outro caminho senão o diálogo com outras áreas do saber, unindo assim a fé à pratica. Uma Práxis teológica, uma Eco teologia que tenha dois pilares como sustentáculo: “A relação do homem com a criação de Deus e a religião cristã como civilização científica”, conforme afirma Murad (2009 p.279)

Não se faz necessário, apenas, estudar ecologia, num paralelo teológico, não se trata apenas do campo das ideias, mas colocar em prática a ecologia da restauração, recuperando os ecossistemas que destruímos, ainda que isso traga custos para nós mesmos, é o que precisa ser feito e isso para ontem. E a igreja deve tomar seu percentual de responsabilidade nesse processo, sem desculpas, sem reducionismos ou negacionismos baratos e infundados, como vem acontecendo no decorrer da história. Se a igreja é chamada a ser luz no mundo, a salgar e dar sabor às interações da vida no planeta, a ela cabe a responsabilidade de ser parte nesse processo. Ou, a carta endereçada à igreja em Sardes, será a carta lida diante do trono, ao que se refere à Igreja nesse tempo: “Estais viva, mas de fato estais morta... sei que o que vocês fizeram não está ainda de acordo com aquilo que Deus exige.”

O consumismo e capitalismo está impregnado na sociedade contemporânea e adentrou o imaginário coletivo da cristandade, onde o antropocentrismo tomou o lugar do teocentrismo. Ou seja, o homem no centro e Deus um empregado a seu favor. Esse equivoco de pensamento não apenas explora e aliena o planeta como um todo, mas gera morte, ao passo que, exclui todas as outras formas de vida de seu direito de viver.

O planeta tem vivido sob um sistema de opressão e conforme disse Leonardo Boff: Cuidado todo especial merece nosso planeta terra. Temos unicamente ele para morar. É um sistema de sistemas e superorganismo de complexo equilíbrio, urdido ao longo de milhões e milhões de anos. Por causa do assalto predador do processo industrialista dos últimos séculos, este equilíbrio está prestes a se romper em cadeia. Desde o início da industrialização, no século XVIII, a população mundial cresceu 8 vezes, consumindo mais e mais recursos naturais; somente a produção, de exploração da natureza, cresceu mais de cem vezes”.

 

Como podemos perceber o planeta não consegue mais respirar, tornou-se um moribundo na sala de UTI, necessita de oxigênio e cuidados intensivos. E nós, escolhemos ser os agentes de mudança ou não. Ou mudamos ou morreremos e mataremos tudo ao nosso redor. Exterminaremos espécies em cadeia, cada uma delas criadas, amorosamente, por um único criador, que ao cria-las viu que tudo era bom. Deus, não merece tamanha afronta, porque tudo quanto o homem semear, isso também ceifará. Se semearmos morte, colheremos morte.

As pragas que temos vivido e que por certo continuarão a vir, são tão somente fruto daquilo que temos plantado. Deus não é carrasco, não vem de sua mão, mas somos nós plantando nossos destinos. Deus continua controlando a história assentado no trono, de onde tudo vê e voltara para julgar vivos e mortos, por todas as suas iniquidades e pecados cometidos contra toda a sua criação.

 Porque sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora. E não só ela, mas nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo. Porque, em esperança, somos salvos. Ora, a esperança que se vê não é esperança; porque o que alguém vê, como o esperará? (Rm 8.22-24)

 Deus tem ouvido o gemido de sua criação, tem visto o sofrimento que temos imputado sobre ela e não ficaremos impunes, diante de tal pecado, principalmente, os que dizem conhecer a sua Palavra. A quem muito é dado, muito é exigido. Se você conhece a Palavra de Deus e tem negligenciado a sua responsabilidade ecológica, se tem calado sua voz frente à degradação ambiental, se tem se feito de cego e surto diante do gemido dos inocentes, fauna e flora, você é cumplice desse genocídio e será cobrado, naquele dia, diante do trono de Deus.

Concluo com as palavras do Apóstolo Paulo: 

E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. (Rm 12.2)

Simone Becker