sexta-feira, 23 de setembro de 2016

O VERDADEIRO SIGNIFICADO DE JUSTIÇA SOCIAL
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Minha monografia de conclusão de curso teve como tema “A justiça Social a partir da Teologia Wesleyana da Nova Criação”. Durante vários meses me debrucei sobre pilhas de artigos, páginas e páginas de livros a respeito do assunto. Sem a intenção de esgotar o assunto e com muita humildade, gostaria de compartilhar algumas nuances do que vem a ser justiça social, numa perpectiva bíblica e cristã.
Apesar de ter estado durante, praticamente, toda minha vida dentro de uma Igreja Metodista, ter aprendido desde cedo toda doutrina baseada na doutrina wesleyana, e ter tido uma educação cristã metodista, nunca tive John Wesley como ídolo, mas sim como exemplo. Creio que tudo o que é bom, o que deu certo, o que é puro e reto deva ser imitado. O Apóstolo Paulo disse: ‘Sede meus imitadores, assim como sou de Cristo”. Por isso, depois de aprofundar-me nos estudos a respeito da Teologia de John Wesley, estudar sobre sua vida e ministério, e sobre tudo aquilo que ele desempenhou durante sua jornada ministerial, entendi que ali estava um exemplo claro do verdadeiro significado de “Justiça Social”, tema tão proclamado e aclamado nos dias atuais, mas percebo, muito pouco entendido. Claro que, também entendo que muitos, no ávido desejo de justiça, cometam equívocos em suas teorias por falta de conhecimento do verdadeiro significado de justiça social nos evangelhos. Por esse motivo, decidi escrever esse texto, a partir de um embasamento teológico e de pesquisa acadêmica. O texto trás partes de minha monografia, sem nenhum tipo de ideologia, para que aqueles que detêm esse ávido e nobre desejo de justiça, não vivam equivocados, ou, pelo menos, que se deem ao benefício da dúvida e possam aprender um pouco mais, sobre o verdadeiro significado de justiça social, segundo o Evangelho de Jesus Cristo
Não podemos negar nossa herança histórica, pois o que fazemos e pensamos é, em parte, resultado de todo legado que recebemos. O fato de buscarmos na tradição exemplos a serem empregados nos nossos dias, não nos faz, necessariamente, cerrar os olhos para nossa realidade contemporânea, nem nos exime de criticarmos o que já foi feito. Não se trata de reproduzir algo como sendo uma realidade imutável, mas construir o novo a partir de experiências vividas e já construídas, nas quais a nossa participação, em uma construção contemporânea, é igualmente requerida.
O relacionamento entre o ser humano e Deus cria a concepção na humanidade de como atuar no mundo, gerando uma insatisfação com o modo como se vive. Consequentemente, por essa insatisfação, o ser humano é levado a viver em fraternidade e comunhão. A partir disso, dependendo da inspiração na relação “homem-Deus” o ser humano ou se torna um agente transformador ou um simples elemento passivo frente às mazelas vividas.
A teologia cristã se desenvolveu a partir do conceito de um Deus Criador, que se revelou encarnado em Cristo como manifestação plena de sua doutrina e prática.  Tal revelação conclama a todos os seres humanos a viverem em harmonia e equilíbrio com toda a criação, levando-os a participar de uma missão da esperança, na qual os ideais de salvação são vivenciados no ministério do amor.   “E andai em amor, como também Cristo nos amou, e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, em aroma suave” (Ef.5.2). Toda missão e justiça social precisa ser compreendida a partir da criação de Deus. A ação de Deus transforma, gera uma nova Vida, uma nova criação em Cristo, trazendo justiça.
O século XX foi um período marcado pelos inúmeros avanços tecnológicos, conquistas e revoluções. Mudanças sociais, culturais e políticas aconteceram em uma velocidade nunca experimentada antes. A humanidade foi, de maneira inigualável, impactada por seus atos e consequências. Mudanças profundas nas relações de trabalho tiveram implicações marcantes sobre a sociedade humana.
Diante deste contexto a América Latina, continente marcado por dominação, exploração e espoliação, também passou por um momento de consciência social crescente e busca de um processo libertador histórico, o que levou na área da Teologia a uma reflexão teológica latino-americana, que assumisse uma nova compreensão da história e do papel teológico nela.
O eixo hermenêutico central dessa nova teologia é convidar a Igreja a ver e repensar a missão a partir dos pobres, identificando-se com eles e dando a eles vez e voz.  A opção preferencial pelos pobres, na Teologia Latino-americana, deve ser compreendida levando-se em conta a misericórdia de Deus. Entendemos que: “Não oprimirás o trabalhador pobre e necessitado, seja ele de teus irmãos, ou seja dos estrangeiros que estão na tua terra e dentro das tuas portas” Dt. 24.14.
A história do cristianismo latino-americano é repleta de contradições, desdobramentos e desafios. O cristianismo foi pregado e imposto a uma diversidade de povos. Os africanos trouxeram com eles suas tradições religiosas; os imigrantes e missionários protestantes a cultura branca europeia, que visava civilizar um povo incivilizado; com a missão americana, a herança religiosa pietista, evangélica, centrada na salvação em Jesus Cristo, na busca da santidade, na direção do Espírito Santo, que tem como alvo a experiência individual de conversão de crescimento na fé.
Deus é um Deus libertador e a Bíblia relata a luta do ser humano contra a opressão. Portanto, uma teologia que liberta deve lutar por transformar o mundo em uma sociedade mais justa. Para Wesley a renovação da criação e das criaturas mediante a renovação da imagem de Deus na humanidade é a essência do cristianismo. Wesley reconhece que a criação original, como é descrita nos relatos bíblicos, não é questão de razão ou experiência, mas de revelação divina. Distanciamos hoje daquilo para o qual originalmente fomos criados; o pecado se interpõe entre nós e nossa condição original. No entanto, Wesley está convencido, a partir das fontes bíblicas, tanto no que se refere à criação, quanto às profecias do cumprimento do que está por vir, de que podemos chegar a um entendimento do propósito divino na criação original.
Na pregação do Sermão de número vinte e seis “Sobre o Sermão do Monte” de Wesley, o pedido feito na Oração do Pai Nosso “venha a nós o teu reino, seja feita a tua vontade assim na terra como no céu” antecipa o cumprimento da criação,
Quando, pois, pedimos que a vontade de Deus “seja feita, assim na terra como no céu”, este pedido significa que todos os habitantes da terra, de todas as raças da humanidade, possam fazer a vontade de seu Pai que está nos céus tão voluntariamente como os santos anjos; que façam continuamente, como os anjos, sem abrir qualquer hiato no serviço diligente; que a façam perfeitamente, para que “o Deus de paz pelo sangue do eterno pacto, os aperfeiçoe em todo o bem, para que façam a sua vontade, e neles opere” tudo que “seja agradável a seus olhos”. (WESLEY, 1953, p.557)
Wesley prevê o futuro divinamente operando com o presente, essa visão do alvo apreendida não apenas das promessas divinas, mas nos sinais de renovação que já se manifestam na vida dos crentes e por meio dela, para Wesley apontam para o propósito de Deus na criação. O ser humano foi dotado de sentido, entendimento e também de vontade, possui liberdade e poder de conduzir seus próprios sentimentos e ações, e capacidade de determinar a si mesmo, de escolher o bem ou o mal. Caso o ser humano não tivesse recebido essa liberdade não seria capaz de buscar a santidade ou qualquer tipo de virtude. A tragédia humana foi ter feito mau uso dessa liberdade, revoltando-se contra o seu criador, distorcendo o relacionamento para o qual foi criado. Ao se rebelar alienou-se de si, do outro e de Deus, herdou o pecado, lançando tanto a si mesmo, e também toda a criação na desordem, sofrimento e morte. O pecado original é um acontecimento histórico de consequências de longo alcance. A criatura que recebeu liberdade para estar em relação positiva com o Criador usou-a para se afastar e construir um mundo autossuficiente.
No pensamento de John Wesley a graça abundante sobre a terra seria muito maior que o pecado. A perda da imagem original de Deus seria suplantada pela possibilidade de uma nova, restaurada pela graça. Pois “assim como em Adão todos morreram, assim todos serão vivificados em Cristo”. Deus revelou seu amor à humanidade através do Seu Filho Jesus, entregando-se por ela, a fim de que o Espírito de Deus renovasse a sua imagem nos nossos corações. “A renovação da criação se dá através da renovação da imago Dei na humanidade qual a humanidade foi criada: viver a imagem de Deus no mundo”.
Na compreensão de John Wesley a imagem de Deus está relacionada, não tanto ao que o ser humano possui, mas ao modo como ele se relaciona com Deus e como vive essa elação com tudo à sua volta. Ele descreve o ser humano como aquele que recebe o amor de Deus e então o reflete no mundo, não como capacidade ou posse, mas como relacionamento vivo propiciado pela graça divina que o mantêm ativo. O ser humano precisa receber de Deus, constantemente aquilo que transmite. Essa imagem de Deus é uma vocação, para a qual o ser humano é chamado e na qual está o seu próprio destino. Essa imagem reside não tanto na criatura, mas no modo como essa criatura vive sua relação com o seu Criador, usando os dons e a capacidade que recebeu para comunhão com a sua fonte de modo a refleti-la no mundo.
O pensamento wesleyano é motivado por situações vividas, tanto pessoais como coletivas. Sua teologia fundamenta-se na própria vida, na relação com Deus e nas relações interpessoais. Pode-se dizer que a teologia de Wesley está baseada no caminho da salvação, como uma forma prática de conduzir o homem na vida cristã, de forma a mobilizar um avivamento pessoal e coletivo. O Espírito de Deus que opera em nós nos compele a colocar-nos a serviço do nosso próximo. No sermão “O Cristianismo bíblico”, Wesley fala da transformação que ocorre na pessoa que se converte. Não uma mudança religiosa, mas um voltar-se para Deus, a partir da ação do Espírito Santo em nosso ser. Essa ação desperta no crente, um profundo amor pelo seu Senhor e consequentemente o move em direção ao outro. Para Wesley viver o cristianismo é viver uma religião social, é fazer como o Senhor fez, é amar como Ele nos amou e nos acolheu, amando e acolhendo o próximo.
A verdadeira imagem de Deus, que deveríamos ser, só pode ser restabelecida através da reconstrução do laço entre criatura e criador, entre a imagem e sua fonte. Para que a humanidade se torne diferente do que é hoje, em suas tentativas ávidas e gananciosas de produzir a própria segurança, são necessários recursos transcendentais, parceria e participação no Espírito Divino. Mas, a humanidade não pode por si mesma, retomar esse relacionamento, a iniciativa vem do próprio Criador e ela se chama graça. A graça segundo Wesley é fundamentada no amor de Deus pela humanidade manifestada em Cristo. Essa graça comunica o perdão e manifesta renovação. A reconstrução desse laço capacita o ser humano a partilhar a natureza de Deus.
A graça se manifesta de três maneiras: em nossa criação, no perdão e em nossa recriação. Para Wesley a natureza da graça é o amor, ela não pode ser imposta, nem “irresistível”, no entanto, ela auxilia a resposta humana. Esse auxílio são as sugestões do Espírito de Deus, que comunica a graça e inicia o processo de renovação. Para Wesley primeiro nos arrependemos para depois crermos no evangelho. Devemos romper com a dependência de nós mesmos antes que possamos depender de Cristo. Cristo nos possibilita a justificação, nos realinhando e nos restaurando ao relacionamento para o qual fomos criados. A justificação dá início ao processo de restauração da imagem de Deus em nós, que será concluído, segundo Wesley, pela santificação, que consiste no poder do Espírito Santo atuando dentro de nós de forma a renovar toda nossa vida. Essa transformação constitui a santidade. A passagem paulina preferida de Wesley era: “Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor, porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Fl.2:12-13). Para que nossas obras sejam boas, elas precisam resultar dessa colaboração na qual Deus é um parceiro, e pelo Espírito coprodutor das obras. O Espírito de Deus habita a criatura, e como consequência as obras que ela produz devem expressar a vontade divina e humana em ação conjunta.
Wesley em seu sermão acerca das riquezas sinalizou alguns perigos, mas principalmente o fato de que na acumulação de riquezas, o que mais destrói tanto a vida cristã como a vida civil, é o dano que é feito a quem não tem riquezas. Wesley explica porque em uma terra que “mana leite e mel”, há milhares de pessoas que padecem de fome. Segundo ele a razão é que existe um mau uso dos recursos nacionais, por pessoas poderosas, e que ainda se chamam cristãs. A Inglaterra dos tempos de Wesley vivia esse cenário, os recursos eram usados com finalidades fúteis e desnecessárias, como na produção de bebidas alcoólicas e alimentos para cavalos que puxavam as carruagens e charretes dos nobres. Havia monopólios dos bens de primeira necessidade, o que encarecia os produtos. A Inglaterra passava de uma economia agrícola-medieval para uma economia industrial. Wesley viajava por todo o país e testemunhara as condições de desemprego e pobreza em toda parte.  Em seu sermão de número cinquenta, Wesley escreve que,
Porque seja o mundo tão corrupto quanto quiser, o ouro e a prata são culpados? “O amor ao dinheiro”, sabemo-lo, “é a raiz de todos os males”; mas não ao dinheiro em si. O mal não está no dinheiro, mas nos que usam dele. Ele pode ser usado para o mal: e que há que o não possa?  Mas pode igualmente ser usado para o bem: é suscetível de ser aplicado para o melhor fim, assim como para o pior. (1953, p.479)
A fala de Wesley orienta a igreja a usar os recursos que ela possui para um fim proveitoso, para o bem social libertador e não para o bem de si mesma. E também, para que a igreja seja aquela que instrua os seus a agirem da mesma forma. Liberdade para Wesley é o compartilhar da graça recebida a fim de que a atuação do Espírito Santo, que opera no crente, traga uma nova ordem social e econômica. O conhecimento abstrato da sua situação não basta; a vivência direta da sua condição é um pré-requisito para o entendimento.  Muito antes de a igreja descobrir a “opção preferencial pelos pobres”, Wesley já a praticava. Ele visitava os pobres, estava no meio deles, compartilhava de suas lutas e dores.
O que Wesley oferecia a eles, era mais que a assistência material, ele apresentava uma comunidade que buscava recebê-los e afirmar-lhes o valor que possuíam diante de Deus. A esses miseráveis os metodistas levavam um sentimento de valor próprio. Aos que haviam sido desalojados de suas aldeias rurais pelas leis de monopolização das propriedades e que se encontravam perdidos nas cidades hostis, os metodistas ofereciam uma nova comunidade de cuidado mútuo. Wesley levou aos pobres não apenas um sentimento de valor próprio, mas uma sensação de poder sobre o próprio destino. Ao serem renovados à imagem de Deus, eles estavam recebendo poder para viver essa imagem, estavam sendo chamados a serem cooperadores de Deus para estender os benefícios da graça que receberam a todos com quem se encontrassem.
Wesley organizava e treinava pessoas em atividades organizacionais. Os que se identificavam com o metodismo eram organizados em sociedades, e as sociedades em classes e bands, e os que possuíam habilidades tornavam-se pregadores e líderes leigos. À liderança exigia capacidade de ler e escrever, e assim surgiram as escolas para ensinar as pessoas a ler as escrituras, isso muito antes do surgimento das escolas dominicais. Ser capaz de ler as Escrituras representava estar diretamente em contato com o poder libertador sem a necessidade de uma autoridade mediadora, um clérigo ou pessoa de estudo. Essa organização mostrou-se ser uma semeadora para o cultivo da liderança, da administração e da assistência mútua.
A preocupação de Wesley com os pobres e desempregados resultou em indústrias caseiras, e venda de produtos entre os metodistas. Os serviços de saúde eram indisponíveis aos pobres, eles não podiam pagar nem os remédios, nem os médicos, assim Wesley levou adiante o interesse e estudo de medicina em Oxford, e em 1745 ele publicou o tratado médico, uma coleção de receitas para o uso do pobre, recomendava tratamentos simples para sessenta e três, enfermidades. Em 1747 publicou um livro de autoajuda com diagnósticos e remédios, um método fácil e natural de curar diversas doenças. Quando Wesley conseguia a colaboração de médicos e boticários, montava clínicas e dispensários para atende a todos. Diversos médicos, incluindo alguns membros da Sociedade Real de Médicos, se apresentaram como voluntários para atender nos serviços de saúde metodista para os pobres. Essa crescente rede de relacionamentos sociais e interdependência significaram muito na vida do proletariado, dos camponeses e pequenos agricultores, pois eles não eram simplesmente vítimas da sociedade, mas podiam se tornar agentes ativos, livres e com algum grau de controle sobre o próprio destino.
Para que uma Teologia da Nova Criação tenha relevância no contexto social latino americano é necessário que ela esteja centrada em dois pontos fundamentais da teologia wesleyana: a soberania divina e a responsabilidade humana. Se Deus é um Deus que se revela e essa revelação possui valor eterno, é preciso que essa revelação seja expressa no tempo, pois nenhuma teologia pode ser desconectada da vida. Ela deve ser reflexão crítica denunciadora dos desvios desumanizantes da realidade, anunciando os desígnios libertadores de Deus na história. Aquele que foi justificado tem fome e sede de justiça; e é instrumento de justiça na vida do outro, disponibilizando seus dons e recursos em ajuda mútua.
A igreja primitiva alcançava e alimentava os famintos, vestia os nus, auxiliava os órfãos e os peregrinos, visitava e ajudava os enfermos e encarcerados, todos os seus bens eram usados para sustento dos pobres e necessitados. Era uma graça recebida e compartilhada. Para Wesley o poder e a presença do Espírito Santo traz uma nova ordem social e econômica. Portanto, justiça social é viver esse mesmo espírito, a prática da partilha. Para o Novo testamento, todas as funções existentes na comunidade contêm este caráter: estar a serviço, em obediência a quem serviu primeiro. A justiça social que tem Jesus Cristo como fundamento precisa necessariamente ser prática, pois ela resulta do seguimento da sua cruz. A fé cristã não se limita à contemplação, mas em se envolver com Jesus, ela precisa ser uma teologia da práxis, na prática e para a prática. 
Para Wesley, Deus dotou o homem com capacidade de liderança e administração para ser “regente sobre a terra”. Essa energia vinda de Deus constitui toda a dinâmica, onde os seres humanos participam desse poder e são incorporados à obra fundamental de restauração da criação, através de suas obras. O foco dirige-se ao mundo, como caminho de salvação que enfatizava a graça de Deus e a responsabilidade humana como participante na valorização da vida.  A presença de Deus, é a imagem refletida no ser humano de forma real, ela se evidencia relacionalmente. Somos capacitados, através da atuação do Espírito Santo, a vivermos a relação divino-humana. Deus opera em nós e então podemos operar. No momento em que a graça foi recebida, isso deve resultar em ação, para com os outros para a causa do reino, operando a própria salvação como um cuidado com o outro.
O exercício da imagem de Deus restaurada é um movimento nutrido pela Escritura e pelo amor divino, ele atua através do exercício da razão, da vontade (livre arbítrio), da experiência e de toda a tradição que nos move em direção à santidade cristã que se traduz na prática das boas obras. Esse ser humano “nova criação” é o instrumento de justiça e paz nesse mundo; é agente transformador da história. A ênfase não está somente no estabelecimento de relações transformadas entre a pessoa individual e Deus e outras pessoas, mas visa toda a humanidade. Desta forma devem-se haver esforços para melhoria da saúde do povo, o engajamento em educação, para que a mente seja liberta do cativeiro do engano e da manipulação, como restauração e a busca da perfeição da razão corrompida, e toda ação que vise o bem-estar social. Toda justiça social que não permeie esses valores, não será justiça social de Cristo, ainda que tenha aparência de bem. Toda justiça social que busque benefício próprio, poder e auto realização não será justiça social de Cristo, em Cristo convém que, nós diminuamos para que Ele cresça.
A graça que concede salvação não é vista isolada da pessoa, mas implica o envolvimento da pessoa no seu “interior”, tanto em relação a Deus como ao próximo; e no campo “exterior” ao mesmo tempo em que ela transforma ela é transformada.  A educação é o pilar do processo de restauração racional que faz parte da restauração da santidade.  A educação contribui para a restauração da imagem natural no ser humano, pois a razão nos capacita a compreender, e isso nos possibilita discernir e fazer julgamentos corretos. A santidade e o amor para com Deus e com o próximo iriam se fortalecer mediante uma educação contínua, a qual é importante, tanto para crianças como para adultos, de todos os sexos, raças e classes sociais. Em seu sermão de número noventa e seis sobre a educação de crianças, Wesley afirma:
Como a única finalidade de um médico é restaurar a natureza ao seu estado próprio; então, a única finalidade da educação é restaurar nossa natureza racional ao seu estado apropriado. [...] E, como a medicina pode justamente ser chamada de arte de restaurar a saúde, então, a educação pode ser considerada, sob outro aspecto, como a arte de recuperar, para o homem, a sua perfeição racional. (1783, p.348)
A insatisfação em relação a todo estado das coisas presentes, tanto no âmbito individual como da sociedade, precisa promover uma motivação persistente na busca por reforma do ser humano, de forma que isso influencie tudo à sua volta. A justiça social de Cristo tem seu foco no resgate e na promoção da vida, se a justiça anunciada não promover “vida” ela não será a justiça de Cristo. Justiça social em Cristo é atuar como agente transformador da história, seja em casa, na escola, no trabalho, na igreja e na sociedade como um todo. Não é uma justiça ideológica, mas uma justiça que se move em ações, sejam elas as menores ou de grandes proporções, e que traga alento, libertação e transformação de toda realidade que fira a dignidade humana. Justiça essa fundamentada em amor e misericórdia.
O que temos visto e presenciado nesse tempo em nossa nação, é um discurso falacioso e oportunista que, usa a capa da justiça para fazer-se poder. Usa-se a capa da justiça para benefício próprio; usa-se a capa da justiça para interesses escusos. Em nada essa justiça proclamada, assemelha-se à justiça de Cristo. A justiça de Cristo liberta o oprimido para que esse se torne agente transformador de sua história, e jamais o torna refém do que se diz agente da justiça. A justiça de Cristo ensina a lançar as redes. Oferece educação para que a mente seja transformada, partilha o pão sem interesses, não visa benefício próprio, não usa de engano para angariar adeptos ou fãs. Jesus dizia a verdade mesmo sabendo que por dizê-la seria condenado à cruz.
Não se iluda com belos discursos, ainda que eles venham embalados em um lindo papel de presente, pois o interior pode não ser tão belo quanto a aparência, e, na realidade, o belo papel sirva apenas para esconder as verdadeiras intenções maléficas. Se o que for dito desviar-se uma vírgula do evangelho de Cristo que seja anátema.


domingo, 11 de setembro de 2016


O SER HUMANO ALIENADO


Continuo a afirmar que todo o problema do mundo é responsabilidade do ser humano. Ser alienado e separado de sua essência. Não há como arrumar outro responsável. Deus não tem culpa, nem tão pouco o diabo. Como muitos rebatem tal afirmação, e se incomodam quando sou categórica em afirmar que o ser humano é um ser mau, segue um texto teológico para os que se interessarem. Acredito que será bem esclarecedor.

O relato da criação no Livro dos Gênesis, capítulo 1 e 2, descrevem uma série de eventos. A partir do nada cria Deus céus e terra, pois o poder criador de Deus não pressupõe pré-existências, ele traz a existência o que não existe, nele está o princípio de todas as coisas. Mas, o que gostaria de dar enfoque aqui não é o poder criador de Deus, mas sua criação. No desenvolver do capítulo 1 Deus cria, sucessivamente, todas as coisas e vê que tudo era bom. Sua criação chega ao ápice no sexto dia, dia este que, Deus cria os animais, tanto selvagens, quanto domésticos e, também, cria o ser humano (Adam), que no hebraico significa humanidade.
Deus não precisava criar o homem, mas o criou para sua própria glória. Deus não precisa nem de nós, tampouco, do restante da criação para nada; porém nós e o restante da criação o glorificamos e lhe damos glória. Ele nos criou para sua própria glória. Podemos concluir que, o propósito de nossa vida deve ser cumprir a meta para a qual Deus nos criou: glorificá-lo.
De todas as coisas que Deus criou, apenas o ser humano, foi criado à sua imagem e semelhança; as palavras usadas no hebraico são “imagem” (tselem) e semelhança (demût), essas palavras se referem a algo que foi criado de forma similar, mas não idêntico, isso é, uma imagem usada para representar outra coisa, nesse caso Deus. 
É incrível que o único ser criado à imagem e semelhança de Deus é o único que não o glorifica. A Bíblia diz que toda a natureza reflete a glória de Deus e o glorifica. O Ser humano, ao contrário, se afastou de Deus. "Os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos". Salmo 19.1 O único ser criado com a finalidade de representá-lo, cuidando e amando toda a criação destrói tudo o que Deus criou, porque se alienou do seu criador. Ao contrário do restante de toda criação que vive na dependência do criador, o ser humano decidiu ser autossuficiente.
Para os primeiros leitores de Gênesis as palavras imagem e semelhança eram bem claras “façamos o homem à nossa imagem e semelhança”, significava simplesmente: “façamos o ser humano (Adam) como nós, para que nos represente”.
As Escrituras não precisam dizer que, pelo fato de o ser humano ser a imagem de Deus, ele possui capacidade intelectual, pureza moral, natureza espiritual, criatividade, capacidade de tomar decisões éticas, etc. Tal explicação é desnecessária, não só porque os termos tinham significado claro, mas porque nenhuma lista faria justiça ao tema. O texto afirma que, o ser humano é semelhante a Deus e o restante das escrituras fornecem outros detalhes que explicam esse ponto. Ou seja, uma compreensão plena da semelhança do ser humano e Deus, exige uma plena compreensão de quem é Deus no seu ser e nos seus atos, e de quem é o ser humano (Adam) e o que faz.
Mas afinal quem é Deus, e quem é o ser humano?
Primeira coisa que precisamos saber é que, neste mundo alienado, ou pecador, se assim você preferir, Deus precisa possibilitar que nos convençamos de sua existência, senão jamais creríamos nele. Nesse mundo alienado a sabedoria humana é deficiente para que venhamos a conhecer a Deus, assim a pregação vem “em demonstração do Espírito e de poder, para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana, e sim no poder de Deus” (1Co 2.4-5). Dependemos do próprio Deus para remover a cegueira e a irracionalidade provocada pelo pecado, pela queda, pela alienação. Portanto, se pretendemos conhecer a Deus, antes é necessário que ele se revele a nós. O Apóstolo Paulo diz que o que podemos conhecer sobre Deus está claro às pessoas “porque Deus lhes manifestou” (Rm 1.19). A criação revela Deus porque ele mesmo decide revelar-se assim. Quando falamos de conhecimento pessoal de Deus, que vem pela salvação, fica ainda mais explícito essa ideia. Disse Jesus: “Ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar" (Mt.11.27). Concluímos que, o primeiro passo para a salvação do ser humano alienado é o conhecimento de Deus.
Deus é infinito, nós somos finitos e limitados, jamais o compreenderemos plenamente. Paulo afirma em (1Co 2.10-12) “as coisas de Deus ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus”. Embora não possamos conhecer Deus em sua totalidade, podemos conhecer coisas verdadeiras sobre ele. Deus é amor (1Jo 4.8), Deus é luz (1 Jo 1.5), Deus é espírito (Jo 4.24) Deus é justo e reto (Rm 3.26) etc. Saber essas coisas, não implica que saibamos tudo sobre seu amor, sua justiça ou sobre qualquer outro atributo.
Existem atributos incomunicáveis de Deus, aqueles que ele não partilha conosco, por exemplo, sua eternidade (ele existe desde a eternidade, nós não), sua imutabilidade (Deus não muda, mas nós sim), sua onipresença (Deus está presente em todos os lugares, mas nós só nós fazemos presentes em um único lugar por vez). Outros atributos são comunicáveis, ou melhor seria dizer que são partilhados conosco. Por exemplo, o amor (Deus é amor e nós somos capazes de amar), o conhecimento (Deus tem conhecimento, e nós também somos capazes de alcançar conhecimento), a misericórdia (Deus é misericordioso, e nós também somos capazes de demonstrar misericórdia) e a justiça (Deus é justo e nós também podemos ser justos). Fica evidente que somos representantes, imagem de Deus, pois só podemos possuir os atributos de Deus em parte, exemplo: Deus é sábio e nós podemos ser sábios, mas nunca seremos plenamente sábios. Participamos parcialmente do conhecimento de Deus, mas nunca plenamente dele, pois, “os pensamentos de Deus são mais elevados que os nossos” (Is 55.9). Podemos imitar o amor de Deus, mas jamais seremos infinitamente amorosos como Deus.
Então suscita a grande pergunta: Mas é possível conceber que o homem, mesmo depois de pecar, ainda seja imagem e semelhança de Deus? O homem ainda é imagem de Deus! Sua pureza moral se perdeu, seu caráter foi corrompido, pela falsidade e pelo engano; suas palavras não mais glorificam a Deus; seus relacionamentos muitas vezes são controlados pelo egoísmo, já não pelo amor. Ou seja, Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas astúcias (Ec 7.29). Portanto, é importante compreender o pleno significado da imagem de Deus, não pelo que o homem é, se tornou ou como vive, mas pelas indicações bíblicas de quem Deus é. A verdadeira natureza do homem à imagem divina se revelou na vida terrena de Cristo e essa plena medida da excelência da nossa humanidade só será restaurada na volta de Cristo, quando recebermos todos os benefícios da salvação que ele conquistou por nós. Ou seja, o que deveríamos ser, enquanto seres humanos, é tudo que Jesus foi. Ele não pecou!
O estado da existência humana é o estado da alienação. O teólogo Paul Tillich escreve que, o ser humano se acha alienado do fundamento do seu ser, dos outros seres e de si mesmo. O ser humano, tal qual existe, não é aquilo que é em sua essência e o que deveria ser. A alienação está implícita nos símbolos da expulsão do paraíso, na hostilidade entre o ser humano e a natureza, na hostilidade de irmão contra irmão, na alienação de uma nação em relação a outra. A alienação está implícita na afirmação do Apóstolo Paulo quando diz que, o ser humano perverteu a imagem de Deus convertendo-a em ídolos; está em sua visão de hostilidade contra outro ser humano em combinação com seus desejos distorcidos. Contudo, segundo os grandes teólogos alienação não pode substituir pecado. Paulo sempre fala de “pecado” no singular e sem artigo, para Paulo “pecado” é um poder quase-pessoal que rege este mundo. Pecado possui uma conotação que a palavra alienação não possui, pois é um ato pessoal de se afastar daquilo a que se pertence. Ele expressa o caráter pessoal da alienação e expressa a liberdade e a culpa pessoal em contraste com o destino universal da alienação. O pecado aponta para um elemento de responsabilidade, liberdade e culpa pessoal na própria alienação. Segundo Paul Tillich a condição humana é de alienação, mas essa alienação é pecado.
Se usamos a palavras “pecados” isso se refere a atos específicos, que nada mais é que expressões do “pecado”. Não é uma questão de desobediência à lei, mas o fato de o pecado ser uma expressão da alienação do ser humano em relação a Deus, com relação aos outros seres humanos, com relação a si mesmo, com relação à natureza. Pecado é tudo aquilo que não provém da fé, tudo que não provém da unidade com Deus. O ser humano em seu auto realizar-se afasta-se de Deus, volta-se para si mesmo, para seu mundo, perdendo o fundamento de seu ser, e sua representatividade. Aquilo que ele deveria representar, não é mais aquilo que ele representa.
A união do alienado com Deus só se torna possível através da reconciliação, que é restabelecida pelo poder da graça, que opera através da fé em Cristo Jesus. Essa reconciliação não nos livra da alienação, tão pouco do pecado, mas nos possibilita a condução pelo Espírito que, opera em nós tanto o querer quanto o realizar.
A Bíblia diz que: “O salário do pecado é a morte” (Rm.6.23), isso significa que todos pecaram e todos estão sujeitos à ira de Deus e à punição eterna. Isso implica que a justiça de Deus requer uma eterna separação entre o ser humano e ele, impedindo-o de experimentar qualquer benefício de sua parte, e recebendo eternamente sua ira. Para que a justiça de Deus fosse outorgada e sua ira fosse aplacada, seu Filho, Jesus, sofreu e levou sobre si toda a ira e a justiça que o Pai infringiria à humanidade, para que através do sacrifício do Filho a humanidade se reconciliasse com o Pai. Nós não somos capazes de nos apresentarmos diante do Pai, sem o Filho. O único acesso ao Pai é através de seu Filho, Jesus. Não há nada que possamos fazer para que tenhamos acesso ao Pai, por mérito próprio. Toda boa dádiva é dada por Deus. Não há um bom sequer, nem um capaz de fazer o bem sem a atuação do Espírito Santo, que opera através da graça comum a toda a humanidade. Ela é comum porque seus benefícios se estendem a todos os seres humanos sem distinção. Ela é graça porque é concedida por Deus em sua soberania. É essa graça que mantém as coisas funcionando, e é por causa dessa graça que o mundo não entra em colapso. Sem ela aniquilaríamos uns aos outros e tudo à nossa volta. Portanto, não é por nós, nada vem de nós, se dos céus não nos fosse dado. Mas, há uma outra graça, a graça salvífica.  É o favor imerecido (charis), concedido a todos aqueles que aceitam Jesus Cristo como único e suficiente Salvador, é irresistível porque alcança quem o Senhor pretende alcançar, é soberania de Deus. Por essa somos salvos, mediante a fé em Jesus Cristo.
O Apóstolo Paulo escreveu: “Porque bem sabemos que a lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido sob o pecado. Porque o que faço não o aprovo; pois o que quero isso não faço, mas o que aborreço isso faço. E, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa. De maneira que agora já não sou eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem. Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço. Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim. Acho então esta lei em mim, que, quando quero fazer o bem, o mal está comigo. Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus; Mas vejo nos meus membros outra lei, que batalha contra a lei do meu entendimento, e me prende debaixo da lei do pecado que está nos meus membros. Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte? Dou graças a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor. Assim, que eu mesmo com o entendimento sirvo à lei de Deus, mas com a carne à lei do pecado”. (Rm.7.14-25)
Quando Jesus foi interpelado pelo jovem rico dizendo: Bom Mestre, que bem farei para conseguir a vida eterna? (Mt 19:16) Jesus o repreendeu dizendo: Porque me chamas bom? Há um só que é bom, e esse é meu Pai que está nos céus. Se você faz o bem para alguém, se está agindo com bondade, pode ter certeza que Deus em algum momento está trabalhando de uma forma especial em sua vida. Não pense que isso sai de si mesmo, que você é bom, que é uma pessoa boa. A Bíblia diz que o homem é mau desde o ventre de sua mãe. Não somos bons. Podemos fazer coisas boas, às vezes, e até viver uma vida com aspectos de bondade, mas isso não nos faz sermos bons. Apenas mostra que podemos ser usados por Deus para fazer alguma bondade. Mas Deus é bom. Ele poderia virar as costas para você e continuaria sendo Deus. Poderia abandonar toda a sua obra de criação e continuaria sendo Deus. Ele não precisa de nós para ser Deus. Ele sempre foi, sempre é e sempre será. Mas, nós sem ele nada somos.
Concluo com as palavras de Paulo aos Filipenses 2.5-15
"De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus, que sendo em forma de Deus, não teve a usurpação de ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz. por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo nome; para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai. De sorte que, meus amados, assim como sempre obedecestes, não só na minha presença, mas muito mais agora na minha ausência, assim também operai a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera em vós tanto o querer quanto o efetuar, segundo a sua boa vontade. fazei todas as coisas sem murmurações nem contendas".

Que Deus nos abençoe!

terça-feira, 21 de junho de 2016




A DIABÓLICA DICOTOMIA HUMANA

                                 
                                  
Texto base: Mateus 6.25-34
Não consigo entender essa dicotomia, que se cria, dividindo entre esse ou aquele erro humano. É como um cabo de guerra, onde cada um procura atrair maior número de adeptos para seu lado. Mas, afinal de que lado estamos? Não estamos todos do mesmo lado? O erro não é erro em qualquer idioma, em qualquer espaço geográfico ou em qualquer esfera? No processo de destruição ambiental, em que estamos inseridos, esse processo de extinção em massa, onde a biodiversidade corre sério riso de aniquilação, quais são os resposáveis, ou melhor, quem seria o responsável? Seria a própria criação, um processo natural de degradação terrestre? Quem sabe a fauna? A flora? Não, existe uma única espécie causando esse processo apocalíptico que temos vivenciado, nossa espécie, o ser humano. Não é sempre o homem? Qual o problema em indignar-se por esses feitos diabólicos? Não são esses, tão diabólicos quanto um semelhante contra seu outro semelhante? Querem discutir coisas grandes, sem se preocuparem com as menores? Se o homem não consegue respeitar a fauna, a flora e o planeta como um todo, iria ele respeitar seu semelhante? Quais serão as vozes da fauna e da flora que eclodirão nos ouvidos do planeta se não forem ditas pelo próprio homem? 
No Sermão do Monte, mais especificamente, no Evangelho de Mateus capitulo 6 versículos 25 a 34, Jesus trata dos nossos negócios públicos, já que nos versículos anteriores tratou dos negócios particulares (oração, jejum, obras de misericórdia).  Jesus não entendia esses dois aspectos em compartimentos separados, de forma dicotomica, mas sim, como sendo de uma mesma natureza. Religioso e secular, duas coisas "religiosas", no sentido de que se é feito na presença de Deus, e de acordo com sua vontade, pois ele tudo vê. Há um convite insistente de Jesus, nas duas esferas, o chamado para sermos diferentes da cultura popular: diferentes da hipocrisia religiosa e, também diferentes do materialismo não religioso.
O homem é fascinado pela ambição, pelo materialismo, mesmo diante de um mundo caótico, com assustadores problemas econômicos e sociais. Ao contrário de desenvolver um estilo de vida mais simples, comprometido com o outro e com o bem estar do planeta, é egoísta, desperdiça e estraga os recursos naturais e não os distribui de forma igualitária, agindo, diferentemente, do que Jesus ensina em Mateus 6.25-34 sobre o Pai que alimenta e veste seus filhos e mais à frente, no mesmo livro, diz que nós mesmos devemos alimentar os famintos, vestir os nus e que, seremos julgados por nossas ações diante de toda a criação, que geme aguardando a revelação dos filhos de Deus. Jesus não nos isenta da responsabilidade de sermos os agente para isso. Nos versículos 25-34 ele fala do corpo, do alimento, da propriedade, do dinheiro, da bebida, da ambição. E como bom observador que era, traça um paralelo entre a fauna, a flora e os seres humanos. Fala dos pássaros que não semeiam, não ceifam, não ajuntam em celeiros, mas o Senhor os sustenta; também fala da flora que se veste divinamente, mas não gasta seu tempo se preocupando com isso. Jesus estava dizendo que ele proveu, tanto para a fauna, quanto para flora os recursos necessários à sua existência, recursos esses presentes na própria natureza. Deus os alimenta, a todos, mas o modo como o faz não é estendendo-lhes a mão cheia de comida, mas providenciando na própria natureza os recursos necessários. Não é um processo miraculoso, antes um processo complexo de trabalho, que ele mesmo arranjou, em que eles extraem do solo, do sol, da água, das árvores e dos próprios animais seu sustento. Contudo, o homem é o único animal que se acha no direito de revogar tudo para si, e destrói o que Deus criou para sustentar sua criação. É o único ser que se acha no direito de obter tudo de mão beijada, desperdiçando o que Deus criou para sustento dos outros seres vivos e do próprio homem, por entender-se única "criatura" de Deus. Esquecendo-se que, tudo que Deus criou viu Deus que era bom. Plantas e animais são seres criados por Deus, pertencem a ele. Foram criados para a glória dele. Os salmos dizem que todo ser que respira concede glória ao Senhor, também diz que, toda a natureza revela a glória de Deus e o bendiz. Não podemos travar um cabo de guerra medindo forças frente aos abusos e atrocidades cometidos pelo ser humano. Toda atrocidade é atrocidade. Não podemos enxergar o mundo nessa dicotomia. Não podemos dividir tristezas em tamanhos, nem pecados em graduações. Enquanto teóloga me sinto na obrigação de ser mestre como Jesus. Ensinando aos homens a serem cidadãos na vida e para a vida, e em todos os aspectos de sua existência. Sejam eles no convívio com os seus pares, na forma como lida com a fauna, a flora e o meio ambiente. Não podemos nos dividir em quadrantes com maior ou menor importância, pois PECADO, não possui graduação. Pecado é pecado!!! 
A degradação ambiental, a forma como o homem tem tratado a fauna, a flora e todos os recursos hídricos e minerais tem sido um pecado contra a criação. Criação essa amada por Deus. Em cada um dos dias que Deus trabalhou, e após ver cumprido todo o trabalho de suas mãos, viu Deus que tudo era bom.
Não podemos mais fechar os nossos olhos. Não podemos mais nos calar. Vozes precisam se levantar em nome da fauna e da flora e de toda biodiversidade, pois, a única forma de eles chorarem, e clamarem por misericórdia, é através de nós.